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A Transição Energética Europeia – vetor de prosperidade e integração regional

Philipp D. Hauser para Revista de Informação Técnica e Científica – Março /Abril 2019

Os crescentes impactos do aquecimento global nos padrões climáticos regionais e os persistentes protestos Fridays for Future nas escolas amplificaram o reconhecimento público das alterações climáticas que agora viraram tópico de campanha para as eleições do Parlamento Europeu. Enquanto a maioria dos partidos estabelecidos apoia políticas de mitigação dos gases de efeito estufa, um estudo da Adelphi (2019) mostra que os partidos populistas de direita em geral negam as alterações climáticas e rejeitam as políticas de mitigação como sendo injustas para o seu eleitorado. Como detalhado por uma análise da Agora Energiewende (2019), o movimento francês dos Gilets Jaunes foi desencadeado pelo efeito da cobrança de impostos de carbono no preço dos combustíveis, mas sua causa é o descontentamento sobre a falta da gestão social de diversas mudanças socioeconômicas, e essa frustração está agora a ser capturada para fins políticos. A narrativa usada para aglomerar esses grupos é que as políticas de mitigação das alterações climáticas são um fardo desnecessário para o cidadão comum. Por isso, políticas públicas e partidos que promovem a transição dos setores da energia, transporte, indústria e habitação, bem como a integração europeia que os apoia, devem ser rejeitados.

Ironicamente, as mudanças sociais, económicas e tecnológicas que impulsionam e acompanham essa transição não são apenas inevitáveis, mas uma oportunidade para a Europa e as suas regiões. A razão por trás do argumento é que um novo sistema energético baseado em energias renováveis é mais descentralizado e democrático, uma vez que as fontes de energia eólica, solar, hídrica e de biomassa estão distribuídas por toda Europa.

Portanto, a transição energética não só requer a canalização de investimentos para as diversas regiões do continente, mas também o envolvimento das comunidades locais. Segundo o European Energy Transition 2030: The Big Picture, publicado pela Agora Energiewende em março de 2019, alcançar a redução das emissões de gases de efeito estufa em 40% até 2030, comparativamente a níveis de 1990, conforme definido pela legislação europeia, exige o desenvolvimento de medidas abrangentes por parte dos Estados-Membros, bem como o apoio e a coordenação da União Europeia.

No entanto, mais que um esforço, isso representa uma oportunidade para um crescimento económico reforçado e inclusivo. O estudo estima que o maior desenvolvimento das energias renováveis e das medidas de eficiência energética reduzirá o custo anual das importações de combustíveis fósseis em 28 mil milhões de euros, contribuindo assim para a independência energética e a balança comercial dos países europeus. Também se espera a criação de mais de um milhão de postos de trabalho e um crescimento económico maior em 1% do PIB europeu até 2030. Outro benefício é que a redução da poluição local diminui os impactos na saúde pública em cerca de 137 mil milhões de euros por ano.

Para atingir estes objetivos, bem como renovar infraestruturas existentes, é necessário um investimento agregado de mais de um trilião de euros por ano entre 2021 e 2030, o que é cerca de 20% superior aos investimentos num cenário de referência que não contempla o objetivo da mitigação das alterações climáticas. Em outras palavras, as metas climáticas implicam um aumento do investimento no sistema energético europeu de 5 para 6% do seu PIB. Embora esse aumento, por si só, seja atrativo para superar o lento crescimento económico na Europa, só será plenamente bem-sucedido se os Estados-Membros forem capazes de agir localmente, embora em coordenação com a Comunidade Europeia.

Planeamento integrado das infraestruturas europeias

Com a diversidade de perfil económico e no seu potencial de energias renováveis, as regiões são atores-chave para a descentralização e descarbonisação do sistema energético europeu. Ao mesmo tempo, a coordenação e o apoio das iniciativas regionais são essenciais para otimizar custos e benefícios de um sistema energético europeu cada vez mais integrado. Até agora, o crescimento da geração de energia renovável até 32% do consumo foi impulsionado principalmente por políticas nacionais, mas a integração da rede e o intercâmbio de energia entre os Estados-Membros já são ferramentas essenciais para garantir a resiliência e a eficiência de custos do sistema energético. Para atingir a meta de 57% na produção de energia renovável até 2030, será necessário assegurar o planeamento e a expansão integrada da geração e da infraestrutura de rede elétrica a nível europeu. Ao mesmo tempo, é importante avançar na eletrificação do sistema de transportes da Europa com uma estratégia integrada que garanta a sinergia com a evolução do sistema elétrico, bem como a interoperabilidade das linhas ferroviárias eletrificadas e das estações de carregamento para a eletrificação do transporte viático. O objetivo é responder à crescente procura de transporte de cargas, bem como melhorar a conectividade dos centros urbanos e áreas rurais, com soluções de transporte inovadoras que ofereçam conveniência a um baixo custo financeiro e ambiental.

Por último, a Europa e os seus Estados-Membros devem definir papéis e responsabilidades que mobilizem investimentos substanciais na eficiência energética e na eletrificação de residências. Além disso, a descarbonisação da indústria europeia com abordagens e tecnologias inovadoras permite criar mercados e vantagens competitivas futuras que sustentam a sua competitividade a longo prazo.

Ampliar investimentos e promover a transição dos mercados de capitais

Em geral, as tecnologias de baixo carbono caracterizam-se por elevados investimentos, mas baixo custo operacional. A combinação de taxas de juros baixas, bem como os riscos dos investimentos predominantes em setores intensivos em emissões de carbono, indicam que o financiamento de uma transição energética europeia abrangente constitui uma oportunidade para que os mercados de capitais possam obter rendimentos adequados e minimizar a sua exposição por setores intensivos em carbono. No entanto, para garantir que o capital seja mobilizado com baixo custo e alocado de forma eficiente, é importante que a Europa e os seus Estados-Membros definam políticas que garantam um clima de investimento favorável que considere o planeamento integrado e a otimização sistémica. Um elemento chave desse ambiente favorável é a ampliação da precificação de emissões de gases de efeito estufa para todos os setores da economia. Para permitir uma transição eficiente dos setores da energia, transporte, habitação e indústria, o preço do carbono deve evoluir gradualmente para o patamar que reflete o objetivo de uma economia global sem emissões líquidas de gases de efeito estufa na segunda metade do século. Uma precificação de emissões coerente permite o ajuste dos custos comparativos das atividades emissoras em comparação com alternativas limpas. Se bem definida, isso acelera a mudança estrutural das economias com mínimo custo e, ao mesmo tempo, permite apoiar famílias, indústrias e setores que não podem arcar com os investimentos necessários. Agora, por mais que a gestão destes efeitos distributivos seja complexa, a justificação macroeconómica para a precificação de emissões na Europa é convincente: Em 2016, 55% do consumo bruto de energia foi importado sob a forma de combustíveis fósseis. Já no que se refere à produção interna, 57% adveio de fontes de energia livres de emissões, sendo que 28% gerou-se com fontes renováveis e o restante a partir da energia nuclear. Por consequência, a precificação de emissões aumenta diretamente a competitividade da produção doméstica de eletricidade renovável e o seu uso para substituir combustíveis fósseis também nos setores dos transportes, indústria e nos domicílios. Além deste apoio indireto à eletrificação renovável, a tarifação do carbono sob a forma de impostos pode gerar receitas fiscais que permitem apoiar os consumidores vulneráveis e/ou os programas que promovem a inovação industrial.

O desenvolvimento local como chave para a prosperidade a longo prazo

A transição energética carrega uma mudança profunda nas relações geopolíticas. Ao contrário dos recursos fósseis, as energias renováveis são distribuídas e assim todas as economias têm a oportunidade de reduzir a dependência das importações dos combustíveis fósseis. Outra diferença é que o desenvolvimento de um sistema de energia renovável eficiente requer grandes investimentos de capital e um planeamento integrado, mas uma vez implementado oferece fluxos perpétuos de energia sustentável a custo baixo e previsível. Portanto, é concebível que as economias que logram a implementação de sistemas de energias renováveis e eficientes garantam os fundamentos para a prosperidade no longo prazo. Além de um sólido planeamento integrado e da mobilização de capital mencionada, é igualmente importante reconhecer que o desenvolvimento de recursos energéticos renováveis distribuídos está sujeito à propriedade e aos interesses das comunidades locais. Sendo assim, é essencial reconhecer que o apoio a interesses e identidades culturais regionais não deve ser visto como uma condição necessária, mas sim como um objetivo inerente do desenvolvimento de projetos de energia e infraestrutura sustentáveis. Uma partilha efetiva dos benefícios é essencial para assegurar que as regiões europeias colaborarão e contribuirão com os seus recursos para o desenvolvimento de uma economia e sociedade europeia eficiente, próspera e sustentável. Para avançar e realizar esse potencial é imprescindível que os representantes políticos tenham a capacidade de representar e integrar os interesses do seu eleitorado regional ao nível das instituições europeias.

O presente artigo foi publicado na edição Sustentabilidade e transição energética da revista Indústria e Ambiente – Revista de Informação Técnica e Científica nº 115, de março/ abril 2019.

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